terça-feira, 10 de abril de 2018

Para compreender o futebol norte coreano


(Foto principal - RPDC 2-0 Hong Kong - última rodada das Eliminatórias para a Copa da Ásia)

O futebol norte coreano é um dos mais curiosos entre os de países considerados "alternativos" no meio futebolístico.

Isso muito se deve ao fato de que trata-se de um pais hostil à visão das grandes potências mundiais e por conseguinte, da grande imprensa mundial, com o campo político sendo motivo de muitos debates na arena internacional e em veículos de comunicação em todo mundo, mas também um certo "isolamento" do país ao exterior do ponto de filtrar as notícias internas do país ao exterior em determinado ponto intensifica essa curiosidade.

Como disse em outra ocasião, sobre o futebol norte coreano, há mais disponível do que se imagina porém menos do que se deseja. Por isso, por meio deste artigo trarei algumas informações importantes, situando os leitores sobre o futebol norte coreano no atual ano de 2018 sem esquecer de explicar como funciona o futebol no país dito por muitos como "o mais fechado do mundo".


Para entender o presente, olhemos para o passado.




Primeiramente precisamos lembrar que o futebol na Coreia do Norte começou antes mesmo da fundação do país (oficialmente República Popular Democrática da Coreia) em 9 de setembro de 1948. Na verdade, o futebol existia na Coreia durante o domínio japonês, porém era reservado a poucos da classe privilegiada e para próprios japoneses.

Logo após a libertação da Coreia, em 1945 (Juche 34 no calendário local) foi fundada a Associação de Futebol da RPDC e com o passar do tempo o futebol foi se desenvolvendo em todo o país e foram formados clubes e estabelecido campeonatos nacionais, além de formada uma seleção nacional.

Juntou-se à FIFA em junho de 1958 e à AFC em setembro de 1974.

Durante este intervalo, fez história ao se classificar para a Copa do Mundo de 1966 e com um futebol surpreendente derrubar a fortíssima seleção da Itália e fazer grande jogo contra Portugal de Eusébio, sendo eternizada para sempre a seleção chamada pela alcunha de "chollima" (um ser mitológico coreano que corre grandes distâncias em curto tempo).

Aquela primeira participação em Copa do Mundo fez a Coreia do Norte marcar seu nome na história do futebol mundial, mas depois daquilo não teve um brilhantismo parecido. Só voltaria à Copa novamente em 2010, em campanha que seria um fiasco, mas falemos disso mais à frente.

Teve campanhas razoáveis em eliminatórias asiáticas e em outros torneios continentais, mas conseguiu alguns títulos em competições de pouca expressão, tanto torneios amistosos como torneios organizados pela AFC como a AFC Challenge Cup.

Problemas no campo político sempre foram um grande empecilho para um maior desenvolvimento do esporte no país, sobretudo com o período final à época chamada de "Guerra Fria" que culminou na queda da URSS e em seguida, em uma terrível crise na Coreia do Norte que ficou conhecida como "Árdua Marcha" e inviabilizou ainda mais a situação esportiva.

Um dos problemas foi a participação de clubes em competições continentais.

Impasse com a AFC e o momento atual

A primeira aparição norte coreana em campeonatos asiáticos de clubes foi em 1986, na antiga Asian Championship, atual Liga dos Campeões da Ásia, com o April 25. O clube do Exército Popular da Coreia foi a equipe que mais atuou em campeonatos asiáticos, jogando ainda a Asian Championship em 1987, em 88-89, em 90-91, quando em grande campanha terminou na quarta colocação e fez sua última aparição no extinto torneio em 1991. Esta foi também a última aparição norte coreana em competições deste tipo, que voltaria só em 2014 novamente.

O April 25 com a atual competição, contabiliza sua sua sétima participação e isso se deve muito a seu sucesso nacional.

A segunda equipe a participar foi o Chandongcha, equipe de Chongjin que entre os anos 80 e 90 foi forte na RPDC e decaiu muito ao ponto de atualmente ser apenas uma equipe pequena. O Chandongcha em 1989 surpreendeu a todos e acabou com a sequência de títulos da equipe do EPC e conquistou o Prêmio Esportivo Mangyongdae daquele ano, o mais importante do país.
Disputou então a Asian Championship na temporada 89-90 mas ficou em terceiro em um grupo em que tinha Liaoning da China, Nissan Yokohama do Japão e Hap Kuan de Macau, não avançando de fase.

No retorno a competições asiáticas, o Rimyongsu que obteve bons resultados em 2013, foi selecionado a disputar a "President's Cup de 2014" e a equipe norte coreana chegou a final onde perdeu para o HTTU Asgabat do Turcomenistão. Aquela foi a última edição daquele torneio de terceiro nível na Ásia e iniciou-se uma longa conversação com a Associação de Futebol da RPDC por parte da RPDC para promover mudanças na liga nacional a fim de incluir equipes norte coreanas na AFC Cup e após acertos no ano passado, na temporada 2017 a AFC aceitou o campeão e vice campeão do Prêmio Esportivo Mangyongdae de 2016, April 25 e Kigwancha para a edição da AFC Cup de 2017. O Kigwancha, em 4 de abril, ao vencer o Erchim por 3 - 0, fez sua estreia e entrou na curta conta de clubes norte coreanos que participaram de competições asiáticas.

Em 2018, o 25 de abril, campeão nacional de 2017, retornou à AFC Cup, enquanto o vice, Hwaebul, vai fazendo sua estreia em competição continental.


Na temporada 2017 o 25 de abril e o Kigwancha brigaram até o fim pela vaga única no grupo I (Leste Asiático) da AFC Cup, e o primeiro levou a melhor pelos critérios de desempate, caindo para o Bengaluru da Índia na fase mata-mata. Mas há que se destacar o artilheiro do campeonato: Kim Yu Song viveu uma grande fase em 2017, marcando muitos gols pela seleção e pelo clube, ajudando sua equipe a conseguir sucesso na competição e ganhou o prêmio por seus 9 gols marcados.

Em 2018, com o mesmo regulamento, o grupo I tem 25 de abril e Hwaebul lutando pela primeira colocação do grupo, mas por conta de tropeço do último, o grande adversário do primeiro no atual momento vai sendo o Benfica de Macau, mas está ainda tudo em aberto no grupo.

Seleção nacional atual


Recentemente a seleção masculina principal da Coreia do Norte bateu Hong Kong por 2-0 em Pyongyang e confirmou sua classificação para a Copa da Ásia de 2019 a ser disputada nos Emirados Árabes Unidos, e esta partida marcou o fim da era do treinador Jorn Andersen que comandou a equipe desde 2016 e anunciou sua saída há pouco.

Ainda não foi definido o novo técnico e a Coreia do Norte nem sequer tem amistoso marcado para este ano até a presente data, o que os deixa no atual momento com calendário livre até o final do ano.

Mas há que se relembrar os bons e maus momentos que a equipe viveu nas eliminatórias para a Copa da Ásia, e não obstante, nas eliminatórias para a Copa do Mundo. A equipe, comandada ainda por Kim Chang Bok perdeu de 3-2 para Filipinas e foi eliminada nas Eliminatórias, não passando para a fase final que escapou por muito pouco em 2016. Foi essa queda que fez com que a Associação de Futebol da RPDC procurasse por um treinador estrangeiro pela segunda vez na história da seleção nacional do país para comandar a equipe.

Com Jorn no comando a equipe ganhou mais confiança, conquistando bons resultados, mas posteriormente veio a sofrer derrotas em atuações horríveis, o que fez o treinador balançar no cargo, mas não caiu, e no final, conseguiu seus objetivos. A seleção que sofreu até mesmo contra o Líbano, conseguiu duas boas vitórias contra a Malásia em campo neutro - devido problema do campo político- e em bela atuação coroou a classificação em março de 2018 batendo Hong Kong no Estádio Kim Il Sung. Também, na Copa do Leste Asiático, disputada no Japão em dezembro de 2017, conseguiu fazer boas partidas, de igual para igual com três grandes forças - Japão, Coreia do Sul e China.

O futuro da seleção nacional possui muitas incertezas, mas o atual momento traz uma sensação de estabilidade e de boas perspectivas futuras.

Além do mais, nos últimos anos as seleções sub 20 e sub 17 participaram da Copa do Mundo de suas respectivas categorias e mostraram talentos ao mundo, tais como o já famoso atacante do Cagliari, Han Kwang Song que figura no plantel principal nos últimos tempos.


Seleção feminina - Uma potência mundial 



Apesar de mais recente, o futebol feminino na Coreia do Norte é muito mais desenvolvido e forte do que o futebol masculino e conquista constantemente títulos secundários, enquanto sonha em firmar-se de vez como uma potência ao ganha uma Copa do Mundo (principal) feminina, coisa que ainda não conseguiu e não terá a oportunidade de fazer em 2019 devido a não ter se classificado para a Copa da Ásia de 2018, algo muito bizarro por parte da AFC.

Até o início dos anos 80, era inconcebível para a maioria esmagadora das pessoas na RPDC que as mulheres pudessem jogar futebol.

Não obstante a concepção, por conta da vontade das professoras de educação física e das meninas que se interessavam pelo futebol, foi implementada a política do Partido do Trabalho da Coreia e do governo da RPDC para desenvolver o futebol feminino. Graças aos esforços do governo e das mulheres, foram organizadas muitas equipes femininas em um curto espaço de tempo, seguido da organização da primeira equipe nacional (seleção) de futebol feminino em novembro de Juche 76 (1987).

Entre as jogadoras que fizeram sua estreia na seleção nacional, estavam Rim Sun Bong e Ri Hong Sil, que tinham constituições adequadas para jogar futebol, com físicos robustos, habilidade notável e alta velocidade natural e Kim Kum Sil, que deixou o país para ir ao exterior tornar-se uma jogadora de futebol apesar de uma forte oposição de seus próprios pais.

Em Juche 79 (1990), apenas após três anos de sua organização, a equipe nacional da RPDC alcançou um incrível sucesso de emergir como uma das três equipas mais fortes na Ásia nos 11º Jogos Asiáticos e ganhou o segundo lugar no quinto torneio internacional de futebol feminino realizado em Varna em Juche 81 (1992). Não contentando-se com isso, a equipe feminina fez esforços árduos, até que terminou em segundo lugar no nono campeonato de futebol feminino asiático em Juche 82 (1993) e entrou na terceira Copa do Mundo Feminina em Juche 88 (1999).

Desde então as futebolistas norte coreanas que ocupam atualmente a 10ª colocação no Ranking da FIFA ganharam: 3 Copas do Leste Asiático, 3 Copas da Ásia, 2 Copas do Mundo sub 17,  2 Copas do Mundo sub 20, 1 Copa da Ásia sub 19, 3 Copas da Ásia sub 16, além de várias outras boas participações.

Em 2018, sem participar da Copa da Ásia, disputou o torneio amistoso Cyprus Cup e ficou com a terceira colocação, sem perder nenhuma partida.

Em dezembro de 2017, com vitórias sobre Japão, China e Coreia do Sul a equipe conquistou o tri-campeonato na Copa do Leste Asiático.

Campeonato nacional, suas regras e reformulação



O campeonato norte coreano é a grande curiosidade da maioria das pessoas. Quais são os times? Tem primeira e segunda divisão? Quais são as regras? - Vou tentar explicar um pouco e sanar algumas dúvidas.

O campeonato norte coreano foi historicamente dividido em torneios de importâncias diferentes que as vezes variavam, mas a "base anual" de calendário é bem parecida sempre. Historicamente sempre foram várias "copas" com fase de grupos e mata-mata.

Recentemente a AFC forçou a Associação de Futebol da RPDC (República Popular Democrática da Coreia) a aderir ao sistema de pontos corridos que foi sendo adaptado (explico ao final como ficou). A base eram os seguintes campeonatos: Prêmio Paektusan (2º mais importante - entre fim de janeiro e início de março), Prêmio Mangyongdae (o mais importante - logo após o Paektusan até maio), Prêmio da Tocha Pochonbo (varia de maio até setembro) e o Prêmio Osandok (de novembro a dezembro). Mangyongdae dá vaga para a AFC Cup. O número de clubes nestes torneios varia de 12 a 16 e este, assim como o Paektusan, já são disputados em pontos corridos.

Paektusan é referente ao Monte Paektu, local sagrado para a revolução coreana e neste mesmo local nasceu o dirigente Kim Jong Il. A competição é um evento esportivo (cobre vários esportes todos estes eventos que citei) em comemoração ao "Dia da Estrela Luz" que é o feriado nacional em comemoração ao aniversário de Kim Jong Il, em 16 de fevereiro. O Mangyongdae, por sua vez, é referente á localidade onde nasceu o Presidente Kim Il Sung e em comemoração ao "Dia do Sol" , dia do nascimento de Kim Il Sung em 15 de abril.

O Prêmio Osandok é considerado o de menor importância  e normalmente as equipes maiores colocavam seus reservas e jogadores da base para jogar. Havia também um campeonato à parte no Osandok para equipes da segunda divisão. O acesso e descenso era calculado de acordo com o desempenho das equipes durante o ano em todos os campeonatos que participam. Para observar isso é era preciso focar nos 2 campeonatos principais onde só as melhores equipes participam. De forma resumida, pode-se dizer que havia uma liga em 2 partes e 3 copas.

Mas para a temporada 2017-18, depois da temporada 2016-17 disputando copas em formato de pontos corridos, o futebol norte coreano finalmente formou uma liga em pontos corridos que começa em dezembro e vai até outubro do presente ano. O campeão e o vice como na temporada anterior irão disputar a AFC Cup, o campeão com vaga direta e o vice com vaga na fase eliminatória.

Seguindo os critérios da AFC, a RPDC organizou ligas de pontos corridos em 3 divisões, incluindo times B e alguns amadores e deixou as "Copas" para serem disputadas por amadores e jovens.



 A Primeira Divisão de Futebol da RPDC 2017-2018 tem treze times (as equipes do 25 de abril, Kigwancha, Amnokgang, Pyongyang, Sobaeksu, Rimyongsu, Hwaebul, Ryomyong, Sonbong, Wolmido, Kalmaegi e Jebi e a equipe do Ministério da Indústria Leve (Kyonggongop).

No futebol feminino foi seguida a mesma regra e a maioria dos clubes masculinos também tem equipes femininas.

Atualmente, Ryomyong e 25 de abril lideram o campeonato.

Espero que este artigo ajude a compreender um pouco sobre o futebol norte coreano.

Para saber mais notícias sobre o futebol norte coreano: https://bit.ly/2oCu9Lr

Texto repostado no site: Fairplay.pt - https://bit.ly/2H088Lp

Por: 레난 쿠냐

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